Portaria de Bolsonaro, que amplia o número de categorias liberadas para trabalhar aos sábados, domingos e feriados como dias normais fere a Constituição, a CLT e desrespeita acordos coletivos de trabalhadores
Indústria de cimento é incluída
Por: Redação CUT
Em mais uma investida contra representação sindical e para atender aos interesses do setor patronal, o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL), publicou no Diário Oficial da União do dia 24 de agosto a Portaria n° 18.809/2020, que amplia a já extensa lista de categorias liberadas para trabalhar os domingos e sábados e feriados. (veja relação no fim da matéria). O texto é igual ao da Portaria 604, do ano passado. Essas reedições já viraram uma prática de Bolsonaro para tirar direitos da classe trabalhadora de qualquer jeito.
Com a Portaria editada na semana passada, domingos e feriados passam a ser dias normais de trabalho, portanto sem direitos previstos na legislação como o pagamento diferenciado de horas extras, folgas e a compensação de jornada de trabalho. A medida também libera empresas de negociar com sindicatos as novas jornadas de trabalhadores.
Para o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle, a decisão é um absurdo porque fere a Constituição, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e ignora acordos coletivos conquistados por categorias de trabalhadores, após negociações.
As legislações específicas não estão sendo respeitadas, prossegue o dirigente, lembrando que bancários, comerciários e vários outros segmentos lutaram para ter acordos relacionados aos dias de descanso e uma Portaria pode acabar com tudo. “Parafraseando o Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, eles passam a boiada fazendo essas Portarias e regulamentações acima do que está na Constituição”
O dirigente ressalta que as tentativas de ampliação são recorrentes, já ocorreram com a MP 905, da carteira Verde e Amarela, a MP 936, na MP 927, a MP 881 e agora com essa decisão. “É característica do governo legislar por Portaria, agindo acima da lei, demonstrando que não é um governo que protege os direitos dos trabalhadores”.
“Sempre dissemos que esse governo não tem diálogo social com as entidades que representam trabalhadores. Não tem sequer um Conselho Nacional do Trabalho e um tema dessa relevância, no mínimo, deveria ter sido debatido com as entidades sindicais”, critica Valeir, complementando: “Os patrões adoram isso”.
De acordo com reportagem da Folha de SP, Luciana Nunes Freire, diretora executiva da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a ampliação é uma reivindicação de várias entidades do setor privado.
Ainda de acordo com a reportagem, a executiva considera que “em tempos de calamidade pública, é necessária a autorização legal para trabalhar aos domingos”.
Ignorando os direitos, a vida pessoal e social, além da convivência em família dos trabalhadores, Luciana disse ainda que “negociar com sindicatos leva tempo” e que por isso, “uma medida mais rápida era a reedição da Portaria”.
Pode ou não pode?
De acordo com advogado especialista em Direito do Trabalho Antônio Megale, do escritório LBS advogados, o trabalho aos sábados, domingos e feriados deve ser exceção e não regra. No entanto, diz, a Portaria, além de ampliar a lista de atividades, autoriza permanente as atividades nos dias em questão, “por isso, a medida contraria a CLT”.
“A Constituição Federal e a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] estabelecem dispositivos de regulamentação para o trabalho nesses dias. E essas atividades devem estar condicionadas à conveniência pública ou à necessidade do serviço e, ainda assim, dependem de permissão de autoridades locais”.
Valeir Ertle, complementa que, desta forma, Bolsonaro, demonstra profundo desrespeito a outras autoridades, como prefeitos e governadores.
“Esse governo não tem um mínimo de respeito com as demais instituições, entidades e esferas de administração. Ele desrespeita o Pacto Federativo, que determina que seja de responsabilidade dos municípios a regulamentação para abertura do comércio, da indústria, de outras atividades, nesses dias”, afirma Valeir.
Atualmente já há segmentos que funcionam nos sábados, domingos e feriados, mas Valeir reforça mais uma vez que os acordos coletivos das categorias regulamentam o trabalho nesses dias.
A Portaria nº 945, de 8 de julho de 2015, estabelece as regras para o trabalho aos domingos e feriados que impedem autorização de forma ampla como na Portaria nº 604, do ano passado, reeditada agora Portaria nº 19.809, com inclusão de novas atividades.
“O que eles querem agora é explorar os trabalhadores nesses dias sem pagar nada”, diz o dirigente.
Defesa dos direitos
Uma das ações a serem articuladas a partir de agora é um decreto legislativo no Congresso Nacional que anule os efeitos da Portaria de Bolsonaro.
De acordo com Valeir Ertle, a CUT e entidades sindicais já estão tratando do tema junto a parlamentares da Câmara dos Deputados. Ele lembra ainda que uma Portaria não tem força de lei, tem função e regulamentar outras leis e não de legislar.
“O governo Bolsonaro legisla o tempo todo por Portarias”, afirma Valeir, explicando um dos motivos da inconstitucionalidade da medida.
Outra ‘frente de batalha’ tem nas entidades sindicais e nos próprios trabalhadores a principal força para derrubar a Portaria. O advogado Antônio Megale aponta que os sindicatos devem ser informados e acionados sobre qualquer desrespeito aos acordos coletivos de trabalho.
“Trabalhadores têm que denunciar e acionar a justiça para garantir seus direitos”, ele alerta.
Categorias atingidas
No ano passado, a Portaria nº 604, havia liberado seis novas atividades para o trabalho aos domingos e feriados:
- Indústria de extração de óleos vegetais e indústria de biodiesel, excluídos os serviços de escritório;
- Indústria do vinho, do mosto de uva, dos vinagres e bebidas derivadas da uva e do vinho, excluídos os serviços de escritório;
- Comércio em geral;
- Estabelecimentos destinados ao turismo em geral;
- Serviço de manutenção aeroespacial;
- Indústria aeroespacial.
Agora, em 2020, com as novas alterações, estão incluídas asseguitnes atividades:
- Indústria de alumínio;
- Oficinas das indústrias de açúcar e álcool;
- Indústrias de cimento em geral;
- Indústria de beneficiamento de grãos e cereais;
- Indústria de artigos e equipamentos médicos, odontológicos, hospitalares e de laboratórios;
- Indústria de carnes e seus derivados (abate, processamento, armazenamento, manutenção, higienização, carga, descarga, transporte e conservação frigorífica), excluídos os serviços de escritório;
- Comércio atacadista e distribuidores de produtos industrializados;
- Comércio de lavanderias e lavanderias hospitalares;
- Agricultura e pecuária: produção de hortaliças, legumes, frutas, grãos e cereais;
- Agricultura e pecuária: plantio, tratos culturais, corte, carregamento, transbordo e transporte de cana de açúcar;
- Saúde e serviços sociais;
- Atividades financeiras e serviços relacionados;
- Setores essenciais.