sábado , 17 de maio 2025

continuidade ou colapso, por Renato Janine Ribeiro

“É preciso integrar saberes, articular políticas e imaginar alternativas que escapem tanto do apocalipse quanto da apatia na Amazônia”

“Continuar não é insistir na permanência, mas assumir a responsabilidade de transformar. Continuar, sim, mas de outro modo. Com mais ciência, mais política pública, mais infraestrutura e amplitude de conhecimentos e mais respeito às múltiplas formas de vida que habitam esse território”, escreve o presidente da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), professor e filósofo Renato Janine Ribeiro


A escolha da Amazônia como tema da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências em 2025 reflete a consciência de que os grandes desafios ambientais do mundo passam, inevitavelmente, por nós. Em um ano em que o Brasil se prepara para sediar a COP 30, em Belém, o debate científico sobre o presente e o futuro da maior floresta tropical do planeta ganha contornos estratégicos, éticos e geopolíticos.

É a ciência nacional, em sua casa centenária, chamando à responsabilidade não apenas os poderes públicos e a sociedade brasileira, mas também o sistema internacional. A Amazônia está no centro das atenções — e o Brasil tem, agora, a oportunidade de assumir a liderança na defesa global do meio ambiente e no enfrentamento às mudanças climáticas.

Mas assumir essa liderança requer mais do que bons diagnósticos. É preciso integrar saberes, articular políticas e imaginar alternativas que escapem tanto do apocalipse quanto da apatia. Como descreveu o sociólogo francês Bruno Latour, a natureza não é uma entidade benevolente. Ela é complexa, contingente, indiferente às nossas pretensões e aos nossos calendários. Se não frearmos o ritmo de destruição, não será o planeta que deixará de existir, mas sim as condições que tornam possível a vida humana tal como a conhecemos. A natureza seguirá — talvez sem nós. E talvez até melhor do que conosco, porque, afinal, somos possivelmente o seu maior predador.

Por isso, precisamos repensar radicalmente o nosso modo de estar no mundo. Mais que uma paisagem exuberante ou um estoque de carbono, a Amazônia é um sistema vivo, pulsante, habitado por milhões de pessoas, múltiplos saberes e formas sofisticadas de relação com o território. Entre essas formas, destacam-se as práticas de cuidado, manejo e regeneração desenvolvidas por populações tradicionais ao longo de milênios. Não se trata de romantizá-las, mas de reconhecê-las — não como curiosidades culturais, mas como conhecimento válido, consistente, aplicável e replicável. Como ciência.

Durante a Reunião Magna, vozes indígenas deixaram claro que o que se espera não é apenas espaço de fala, mas espaço de escuta real e de poder compartilhado. Os saberes tradicionais não estão à margem da ciência: são parte dela, quando nos dispomos a enxergar a ciência como um processo plural, situado, coletivo. Os exemplos apresentados — das terras pretas às práticas bioeconômicas conduzidas por mulheres nas aldeias — são provas de que existe inteligência na floresta. Cabe à “ciência acadêmica”, agora, abrir-se para esse diálogo em pé de igualdade.

A Amazônia, como bem apontaram os pesquisadores reunidos neste encontro histórico, é hoje o principal campo de batalha entre dois projetos de futuro: um que insiste na lógica da extração, da fragmentação e do colapso; outro que aposta na convivência, na regeneração e na continuidade. Continuar não é insistir na permanência, mas assumir a responsabilidade de transformar. Continuar, sim, mas de outro modo. Com mais ciência, mais política pública, mais infraestrutura e amplitude de conhecimentos e mais respeito às múltiplas formas de vida que habitam esse território.

O tempo da Amazônia é agora. E o agora exige escolhas.

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