Presidente chamou Trump de “negacionista de instituições democráticas”, em entrevista à revista dos Estados Unidos
Lula conversou com o jornalista Jon Lee Anderson, conhecido pelo livro Che Guevara: Uma Vida Revolucionária, para a revista The New Yorker. Entre os assuntos, o presidente opinou sobre o atual contexto político do mundo, a administração Trump e a crise dos governos progressistas e do multilateralismo. Veja os destaques da entrevista em TVT News.
“Trump não falou comigo e eu não tive interesse em falar com ele”
O presidente revelou que, desde o início do mandato de Trump em janeiro, não foi procurado pelo estadunidense. “Se, como representante do Estado americano, ele quiser falar com Lula, o representante do Estado brasileiro, eu vou falar com ele calmamente”, disse. “Mas, até o momento, não tive nenhum interesse em falar com ele também. Se eu tiver algum problema e precisar ligar para ele, ligarei”, continuou.
O desejo de Trump anexar a Groenlândia foi ridicularizado pelo presidente: “a única coisa que resta para ele é assumir o controle da Antártica”. Para o presidente, é uma incógnita por quê a Rússia e os Estados Unidos querem aumentar seus territórios “se eles não conseguem nem administrar o que já tem”.
O vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, o conselheiro sênior da Casa Branca, Elon Musk, e Trump foram definidos como “negacionistas das instituições que garantem a democracia ao redor do mundo” por Lula. A atuação de J.D. Vance na eleição do líder conservador alemão Friedrich Merz foi considerada um crime pelo presidente.
“Eu assisti a um discurso do Trump no Congresso do EUA recentemente e foi absurdo. Os republicanos aplaudem qualquer besteira que ele diz. É quase igual ao que os anarquistas faziam na Itália e no Brasil no começo do século, clamando por uma sociedade sem instituições, dominada pelo império do capital”.
Sobre a taxação dos EUA de 25% sobre o aço brasileiro, Lula retomou o mote da reciprocidade. “Nós queremos mostrar aos Estados Unidos o que 200 anos de relações diplomáticas e comerciais representam”, afirmou. Para o presidente, “é uma via de mão dupla, [a taxa] será prejudicial aos EUA. Da nossa parte, queremos negociar diplomaticamente. Se não for possível, tomaremos medidas”.
“O mundo precisa de política, não de guerras”
A retórica belicista dos Estados Unidos também não passou ilesa. Lula pontuou a contradição do país ser o que mais financia guerras ao mesmo tempo que é o que mais fala sobre paz e democracia. A revista destaca que Lula insiste em um pacifismo incomum entre líderes mundiais.
Lula relembrou o encontro com o chanceler alemão, Olaf Scholz, em que recusou atender ao pedido de fornecer mísseis à Ucrânia para dizer que não gostaria que “nenhum ucraniano ou russo morresse em razão de uma arma brasileira”.
O financiamento da Guerra da Ucrânia por parte dos Estados Unidos e da Europa foi ridicularizado por Lula: “quando você encurrala um inimigo, você tem que ter força para derrotá-lo e não é fácil derrotar a Rússia”, disse.
Putin também foi alvo de comentários. Lula revelou que, em uma ligação recente, incentivou o russo a encerrar a guerra: “Eu liguei para o Putin e disse ‘Putin, eu acho que chegou a hora de você se voltar à política. Ponha um fim nisso. O mundo precisa de política, não de guerra. Você faz falta. Não há pessoas suficientes para sentar à mesa e discutir o destino do planeta: O que queremos para a humanidade?”.
“A democracia em que aprendemos a viver depois da Segunda Guerra Mundial está desaparecendo”
Para Lula, o sistema político ocidental está em perigo e estamos diante do colapso da ordem mundial do pós-guerra. “Nós pensamos que estávamos criando uma sociedade mais civilizada, humana e baseada na solidariedade”, disse. “O resultado é pior. É como se houvesse uma lâmpada e quando você abre a tampa, o mal sai”, critica o presidente.
“A democracia em que nós aprendemos a viver depois da Segunda Guerra Mundial, o papel importante do multilateralismo nas relações entre Estados, o respeito à diversidade e à soberania dos países, está tudo desaparecendo.”
Na entrevista, Lula afirma que a democracia para de fazer sentido quando não atende mais aos interesses do povo. “Desde 1980, a classe trabalhadora de países que construíram estados de bem estar social só perdeu, enquanto a concentração de renda aumentou. Que resposta podemos dar para as sociedades brasileira, alemã e americana?”, questiona o presidente.
“Minha maior preocupação é como vamos construir uma narrativa para destruir mentiras”
A revista pontua que Lula sugeriu uma semelhança entre Brasil e Estados Unidos: a população de ambos os países está perdendo contato com a realidade. “Há pessoas que acreditam em coisas que todos deveriam entender que são mentiras, porque são muito absurdas”, disse.
O presidente declarou que sua maior preocupação é elaborar uma narrativa que bata de frente com a desinformação, mas “nós ainda não temos uma resposta”, lamentou. Parte desse esforço foi feito em reuniões com outros líderes globais.
Na Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2024, Lula tentou organizar uma reunião de presidentes progressistas, mas se deparou com um vazio quando se sentou para elaborar a lista de convites: ” eu descobri que não havia mais progressistas”, relatou.
“Para que a reunião não fosse tão pequena, mudamos de ‘progressistas’ para ‘democratas’, então estendemos o convite ao Biden, Macron e outros líderes”. Desde então, duas reuniões ocorreram para discutir como criar uma narrativa que “justifique a importância do sistema democrático como a melhor coisa já criada para a coexistência humana”.