Durante a cúpula pela democracia no Chile, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um apelo pela união entre democratas
Durante a cúpula pela democracia realizada nesta segunda-feira (21) em Santiago, no Chile, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um apelo pela união entre governos e sociedade civil diante do avanço de movimentos extremistas e condenou o que chamou de “práticas intervencionistas” promovidas por lideranças internacionais. Entenda na TVT News.
O evento reuniu líderes progressistas da América Latina e da Europa, como os presidentes Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia), Yamandú Orsi (Uruguai) e o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez. Em pauta, a defesa da democracia, o fortalecimento do multilateralismo e o papel da justiça social como base para a cooperação global.
Sem citar diretamente o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Lula criticou ações recentes do governo norte-americano, que têm sido interpretadas como tentativas de interferência na soberania brasileira.
“Nesse momento em que o extremismo tenta reeditar práticas intervencionistas, precisamos atuar juntos. A defesa da democracia não cabe somente aos governos. Requer participação ativa da academia, dos parlamentos, da sociedade civil, da mídia e do setor privado”, afirmou o presidente brasileiro.
Trump e bolsonarismo contra o Brasil
As declarações ocorrem em meio a uma crescente tensão diplomática entre o Brasil e os Estados Unidos. No último dia 9, Trump enviou uma carta ao governo brasileiro anunciando a imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros importados pelos EUA. Na mensagem, o presidente americano justificou a medida com base no julgamento do ex-presidente inelegível e réu por uma série de crimes Jair Bolsonaro (PL), alegando que o Brasil estaria “violando a liberdade de expressão de cidadãos norte-americanos”.
Lula respondeu, classificando a decisão como “chantagem inaceitável” e afirmou que o governo brasileiro estuda medidas para lidar com o caso. “A interferência de um país no sistema de Justiça de outro é inaceitável e fere os princípios básicos do respeito e da soberania entre as nações”, declarou.
Lula contra pressões externas
A escalada ganhou novo capítulo na última sexta-feira (18), quando Bolsonaro foi alvo de uma operação da Polícia Federal, que resultou na imposição de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica e restrições ao uso de redes sociais e contatos com outros investigados e autoridades estrangeiras.
Horas depois, o governo norte-americano anunciou a revogação dos vistos do ministro do STF Alexandre de Moraes, de pessoas próximas a ele e de seus familiares. A medida foi interpretada como retaliação direta às ações judiciais contra o ex-presidente.
Em nova manifestação pública, Lula criticou o gesto do governo Trump, classificando-o como “arbitrário e sem fundamento”, e reiterou a independência do Judiciário brasileiro.
Democracia digita
Durante a cúpula, os líderes também firmaram consenso sobre a necessidade de regulamentação das plataformas digitais e do enfrentamento à desinformação. Lula ressaltou que a liberdade de expressão não pode ser usada como escudo para o cometimento de crimes ou ataques à democracia.
“Liberdade de expressão não se confunde com a autorização para incitar violência, cometer crimes e atacar o Estado Democrático de Direito”, enfatizou o presidente.
A cúpula em Santiago reforça a articulação entre governos progressistas diante de uma conjuntura internacional marcada pela tensão institucional e pelo crescimento de discursos autoritários. Lula volta ao Brasil com o desafio de manter o diálogo diplomático aberto, enquanto protege a soberania nacional e sustenta a independência dos poderes frente às pressões externas.
Confira a íntegra do discurso de Lula
Este encontro no Palácio de La Moneda, ao lado dos presidentes Boric, Pedro Sanchez, Petro e Yamandu, tem uma simbologia especial.
Aqui a democracia chilena sofreu um dos atentados mais sangrentos da história da América Latina.
Nossos países conhecem de perto os horrores de ditaduras que mataram, perseguiram e torturaram.
O caminho para a reconquista da democracia e da liberdade foi longo.
Democracias não se constroem da noite para o dia.
Zelar pelos interesses coletivos é uma tarefa permanente.
Vivenciamos uma nova ofensiva anti-democrática.
Para reagir a esse movimento, Espanha e Brasil promoveram um encontro à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro do ano passado.
De lá para cá, a situação no mundo se agravou.
O quadro que enfrentamos exige ações concretas e urgentes.
A reunião de hoje, organizada pelo presidente Boric, é um passo nessa direção.
A democracia liberal não foi capaz de responder aos anseios e necessidades contemporâneas.
Cumprir o ritual eleitoral a cada 4 ou 5 anos não é mais suficiente.
O sistema político e os partidos caíram em descrédito.
Por essa razão, conversamos sobre o fortalecimento das instituições democráticas e do multilateralismo em face dos sucessivos ataques que vêm sofrendo.
Concordamos sobre a necessidade de regulamentação das plataformas digitais e do combate à desinformação, para devolver ao estado a capacidade de proteger seus cidadãos.
A chave para um debate público livre e plural é a transparência de dados e uma governança digital global.
Liberdade de expressão não se confunde com autorização para incitar a violência, difundir o ódio, cometer crimes e atacar o Estado Democrático de Direito.
Reconhecemos a urgência de lutar contra todas as formas de desigualdade.
Não há justiça em um sistema que amplia benefícios para o grande capital e corta direitos sociais.
O salário médio global de um presidente de multinacional é 56 vezes maior que o de um trabalhador.
Políticas de austeridade obrigam o mundo em desenvolvimento a conviver com o intolerável: 733 milhões de pessoas passam fome todos os dias.
A Aliança contra a Fome e a Pobreza lançada pela presidência brasileira do G20, no ano passado, busca superar definitivamente esse flagelo.
A justiça tributária é outro passo para recolocar a economia a serviço do povo.
Os super-ricos precisam arcar com a sua parte nesse esforço.
Só o combate às desigualdades sociais, de raça e de gênero pode resgatar a coesão e a legitimidade das democracias.
A crise ambiental introduz novas formas de exclusão, com impactos desproporcionais para os setores mais vulneráveis.
Sem um novo modelo de desenvolvimento, a democracia seguirá ameaçada por aqueles que colocam seus interesses econômicos acima dos da sociedade e da pátria.
Este encontro também foi um momento de reflexão sobre o estado da integração regional e do mundo.
A América Latina e o Caribe são uma força positiva na promoção da paz, no diálogo e no reforço do multilateralismo.
Com a Espanha e a Europa compartilhamos uma longa história e laços econômicos e sociais.
Somos duas regiões incontornáveis na ordem multipolar nascente.
Enfrentamos desafios semelhantes no enfrentamento da discriminação racial, da xenofobia e da mudança do clima.
Também nos une a promoção e proteção dos direitos humanos.
Neste momento em que o extremismo tenta reeditar práticas intervencionistas, precisamos atuar juntos.
A defesa da democracia não cabe somente aos governos.
Requer participação ativa da academia, dos parlamentos, da sociedade civil, da mídia e do setor privado.
Logo mais, participaremos de diálogo para aproximar nossa Iniciativa dos movimentos sociais, das ONGs, dos sindicatos, da academia e dos estudantes.
Esta caminhada continuará em setembro, com outro evento em Nova Iorque, à margem da Assembleia Geral da ONU, envolvendo mais países latino-americanos, europeus, africanos e asiáticos.
Muito obrigado.