Asessor especial da presidência afirma que governo Lula estuda pôr fim às relações comerciais militares com Tel Aviv
O assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, afirmou nesta quarta-feira (11) que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está avaliando possíveis medidas de retaliação contra Israel diante da continuidade do genocídio na Faixa de Gaza. Leia em TVT News.
Governo “considera seriamente” o rompimento das relações com Tel Aviv, diz Amorim
A declaração foi feita durante reunião com um grupo de cerca de 20 parlamentares de diferentes partidos, que procuraram o Palácio do Planalto para cobrar uma postura mais dura do Brasil diante das ações israelenses contra a população palestina.
Amorim disse aos presentes que o governo “considera seriamente” o rompimento das relações comerciais e militares com Tel Aviv como primeiro passo, destacando que essa possibilidade já está sendo estudada pelo Itamaraty e pela área de defesa.
Em nota, Celso Amorim afirmou que teve um “diálogo franco e construtivo, no qual reiterou a posição histórica do Brasil em defesa da paz e dos direitos humanos”. “O Brasil tem um compromisso inabalável com a solução diplomática dos conflitos, baseado no direito internacional e no respeito às resoluções da ONU”.
“Acho que passos adicionais podem ser tomados. Hoje mesmo isso foi conversado com o presidente da República, por mim, pelo ministro Mauro (Vieira, das Relações Exteriores). Não me cabe anunciar, cabe a ele (Vieira) anunciar as medidas no momento em que isso vier a acontecer”, disse Amorim no encontro com cerca de 20 deputados aliados do governo Lula.
A reunião, que durou quase duas horas, foi marcada pela preocupação dos parlamentares com a escalada da violência em Rafah, onde ataques aéreos israelenses têm provocado dezenas de mortes diárias, muitas delas de mulheres e crianças. Os congressistas, entre eles nomes como Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Guilherme Boulos (PSOL-SP), Erika Kokay (PT-DF), Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Zeca Dirceu (PT-PR), defenderam que o governo brasileiro adote sanções mais severas, inclusive rompendo relações diplomáticas com Israel.
Durante o encontro, realizado no Palácio do Planalto, o assessor especial de Lula ainda recebeu uma oficio da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal) pedindo o rompimento de relações com Israel. A medida, no entanto, não está no radar do governo brasileiro
Postura de Lula diante do genocídio em Gaza
Desde o início da ofensiva militar israelense na Faixa de Gaza, em outubro de 2023, o presidente Lula tem feito duras críticas ao governo de Benjamin Netanyahu. Em fevereiro de 2024, durante viagem à Etiópia, o chefe do Executivo brasileiro classificou as ações de Israel como “genocídio” e fez um paralelo com o extermínio de judeus na Segunda Guerra Mundial. “O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico, a não ser quando Hitler resolveu matar os judeus”, afirmou, provocando forte reação do governo israelense.
A fala de Lula foi condenada pelo Ministério das Relações Exteriores de Israel, que declarou o presidente brasileiro como “persona non grata” até que se retratasse. Em resposta, o governo brasileiro chamou de volta seu embaixador em Tel Aviv, Frederico Meyer, que desde então não retornou ao posto. Israel também convocou o embaixador em Brasília, Daniel Zonshine, para consultas, marcando um dos momentos mais tensos da relação diplomática entre os dois países desde o restabelecimento dos laços, em 1949.
Apesar do tom diplomático do Itamaraty, o presidente Lula tem mantido o discurso firme contra os ataques israelenses, reforçando que o Brasil não aceitará o extermínio de civis em Gaza. Em diferentes fóruns internacionais, como o G20 e a ONU, o mandatário brasileiro tem cobrado um cessar-fogo imediato e a criação de um Estado palestino independente.
Na semana passada, em visita de Estado à França, Lula voltou a denunciar o genocídio capitaneado por Israel contra os palestinos em Gaza. “O que está acontecendo em Gaza não é uma guerra, é um genocídio de um exército altamente preparado contra mulheres e crianças, é contra isso que a humanidade tem que se indignar”, exclamou, ao lado do presidente francês, Emmanuel Macron.
Histórico recente de tensões Brasil-Israel
A crise diplomática entre Brasil e Israel vem se intensificando desde que o Brasil assumiu uma postura crítica ao tratamento dado aos palestinos. Em 2014, ainda no governo Dilma Rousseff, o país condenou os bombardeios israelenses sobre Gaza e chamou de volta seu embaixador em Tel Aviv, classificando os ataques como “uso desproporcional da força”. A reação de Israel à época já havia sido negativa, com críticas à política externa brasileira.
Durante o governo Jair Bolsonaro, no entanto, houve uma reaproximação entre os dois países, com o ex-presidente declarando apoio incondicional a Israel, inclusive com promessas de transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém — o que acabou não se concretizando. A eleição de Lula, em 2022, marcou uma inflexão na política externa brasileira, com foco no multilateralismo e na defesa dos direitos humanos.
A recente guerra na Faixa de Gaza, iniciada após o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, tem provocado uma tragédia humanitária sem precedentes. Segundo dados das Nações Unidas, mais de 36 mil palestinos já foram mortos, a maioria civis, e centenas de milhares estão deslocados. O Brasil, que presidia o Conselho de Segurança da ONU no momento da escalada, tentou mediar um cessar-fogo, mas as resoluções foram sistematicamente vetadas por países aliados de Israel, como os Estados Unidos.

Militares e comércio de defesa de Israel na mira
A possível suspensão de relações militares entre Brasil e Israel representa uma mudança significativa na política de defesa nacional. Israel é um dos principais fornecedores de tecnologia e armamentos para as Forças Armadas brasileiras, incluindo drones, sistemas de comunicação e equipamentos de vigilância.
Durante a reunião com os parlamentares, Amorim mencionou que o governo estuda formas legais de interromper os contratos em andamento e rever acordos anteriores. “Estamos analisando todos os instrumentos legais e diplomáticos possíveis para sinalizar com clareza nossa posição. A ruptura militar é uma possibilidade real”, reiterou.
Ainda segundo fontes presentes no encontro, o governo brasileiro avalia também pressionar empresas privadas que mantêm contratos com Israel, incentivando a suspensão de compras de produtos de defesa de origem israelense.
Reações e próximos passos
A declaração de Amorim foi bem recebida pelos parlamentares, que prometeram ampliar o debate no Congresso Nacional e cobrar o engajamento de outros setores da sociedade. O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) afirmou que o momento exige coragem política: “Não podemos ser cúmplices. A fala do presidente Lula foi correta e agora precisamos agir com coerência”.
Enquanto isso, o cenário em Gaza segue dramático. As bombas continuam a cair sobre cidades superlotadas e sem acesso a serviços básicos. A possibilidade de o Brasil romper relações com Israel pode colocar o país na vanguarda da pressão internacional por um cessar-fogo e pela responsabilização de crimes de guerra.