Entenda por que Tiradentes virou herói nacional e como 21 de abril se tornou feriado no Brasil
21 de abril é feriado no Brasil para lembrar a morte de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, uma das figuras central da Inconfidência Mineira e transformado em um dos símbolos da luta contra a opressão colonial. Mas o reconhecimento desse personagem como herói nacional foi um processo construído ao longo do tempo, influenciado por interesses políticos e disputas sobre a memória coletiva. Neste feriado de 21 de abril, a TVT News resgata a trajetória de Tiradentes e analisa como foi a transformação de Tiradentes em herói da pátria.
Por que 21 de abril é Dia de Tiradentes
A data marca o enforcamento de Tiradentes em 1792, no Rio de Janeiro, então capital da colônia portuguesa. Ele foi condenado à morte pela Coroa portuguesa por participar da Inconfidência Mineira, movimento que pretendia libertar o Brasil do domínio de Portugal. Desde então, o 21 de abril passou a ser considerado como um momento de resistência e sacrifício em nome da liberdade.
“Tiradentes é um herói nacional por uma ação impositiva da elite dominante do final do século XIX que realizou a proclamação da República e necessitava, por meio de símbolos nacionais, universalizar a ideia de unidade da nação”, afirma a professora Sandra Costa dos Santos, coordenadora do Núcleo de Estudo e Aperfeiçoamento Antirracista – Conceição Evaristo.
Quem foi Tiradentes?
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, era alferes da cavalaria e dentista prático, profissão que lhe rendeu o apelido “Tiradentes”. Ativo na região das Minas Gerais, foi influenciado pelas ideias iluministas e pelos movimentos de independência ocorridos em outros países. Participou da articulação da Inconfidência Mineira, que acabou descoberta pelas autoridades. Preso, assumiu a culpa, e foi o único condenado à morte entre os envolvidos.
Quando 21 de abril se tornou feriado?
O Dia de Tiradentes é feriado nacional comemorado em 21 de abril. O governo provisório de Deodoro da Fonseca estabeleceu o dia 21 de abril como data comemorativa nacional por meio do Decreto nº 155-B, de 14 de janeiro de 1890.
Esse dia foi reafirmado como feriado por meio de leis emitidas em 1933 e 1949, com a Lei nº 662, de 6 de abril de 1949. Tiradentes tornou-se patrono cívico do Brasil, e seu nome foi incluído no Livro de Heróis da Pátria, em 1965. Atualmente, o dia 21 de abril, dia da morte de Tiradentes, ainda é considerado feriado nacional, por meio da Lei nº 10.607, de 19 de dezembro de 2002.
O feriado também se relaciona com o uso da imagem de Tiradentes por regimes políticos distintos, como a República, que o adotou como um de seus símbolos fundadores.
“A necessidade de desvincular a República dos acontecimentos e ideais da Monarquia no Brasil, intencionou eleger como mártir, as práticas inconfidentes de Joaquim José da Silva Xavier, que além de alferes era alguém com a prática de dentista, como se seu suplicio, seguido de esquartejamento, carregasse um trabalho de sacrifício ao bem comum de libertação do Brasil Monárquico, o fim das práticas escravagistas, a implementação econômica e idearia do liberalismo, e o encaminhamento ao cientificismo moderno”, conta o professor, historiador e antropólogo Lucas Scaravelli da Silva.
Por que Tiradentes se tornou herói nacional?
A imagem de Tiradentes como herói nacional ganhou força com a Proclamação da República, em 1889. Os republicanos buscaram figuras históricas que simbolizassem a resistência à monarquia e encontraram em Tiradentes um modelo ideal. Ele foi retratado como um personagem messiânico, inclusive com imagens comparadas às de Cristo. Sua imagem foi alterada como parte do projeto de construção da identidade nacional republicana.
“A aproximação da imagem de Tiradentes com a de Jesus tem uma conotação religiosa, mas também romantizada de que Tiradentes era esta figura que, assim como Jesus, estava perto da população. Ele caminhava pelas ruas e se contrapunha ao colonialismo assim como Jesus enfrentava reis e líderes de seu tempo. O herói que não se sabe exatamente quais eram suas características físicas, foi estrategicamente elevado a mito por ter sido esquartejado em defesa da liberdade enquanto Jesus pregado na cruz morre em sacrifício de seu povo”, analisa a professora Sandra.

“Aí a imagem de Jesus traz exatamente o morrer em vida, sobreviver no ideal, ressurgir como nação. Morre Tiradentes, nasce um Brasil… republicano”, reforça Lucas.
Não há comprovações da imagem real de Tiradentes e não se sabe ao certo como foi essa transformação. “Existem algumas correntes historiográficas que estão buscando referências documentais para ter uma imagem que corresponda à realidade, mas ainda não temos nenhuma comprovação histórica que traga essa certeza”, explica Lucas
Quais outros heróis e heroínas que estão no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria?
O Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, guardado no Panteão da Liberdade e da Democracia, em Brasília, homenageia brasileiros e brasileiras que se destacaram na luta por justiça, liberdade e direitos. Além de Tiradentes, fazem parte nomes como Zumbi dos Palmares, Anita Garibaldi, João Cândido, Esperança Garcia, Bárbara de Alencar, Luís Gama e os indígenas Sepé Tiaraju e Galdino Pataxó. Cada inclusão precisa ser aprovada por lei federal e reconhece o papel dessas pessoas na história do país.
“Ahuna, Damalu, Aprígio, Pai Inácio, Manuel Calafate, Luís Sanim. Em quais livros didáticos estes homens, pretos, defensores da liberdade para os escravizados são estudados?”, questiona a professora Sandra. “A revolta dos Malês mal é citada na escola. Outros movimentos sociais e políticos como a Cabanagem, no Pará, tiveram forte presença indígena e africana em suas frentes e poucos são aqueles que têm acesso a tais conhecimentos”, argumenta a professora.
Tiradentes faz parte da construção da historiografia “oficial”
A imagem de Tiradentes comparada à de Jesus e transformada em herói nacional faz parte de uma construção da historiografia brasileira. Não só de Tiradentes, todas as imagens da corrente ‘oficial’, de quem controla as ideias, os organismos de comunicação, e produz o modelo de educação no país”, traz imagens equivocadas e questionáveis de várias personalidades”, argumenta Lucas.
“Tiradentes é uma delas”, analisa o professor. “Podemos vincular isso as datas comemorativas e os significados delas para o coletivo, também podemos perceber como os nomes de rua, de escolas e de instituições são escolhidos e a quem se referem. Muito dificilmente acharemos pessoas negras ou indígenas como referências elegíveis de lembrança”, alerta Lucas.
Tiradentes inspirou o nome de grupo que lutou contra ditadura militar
O MRT, Movimento Revolucionário Tiradentes, foi uma organização revolucionária de luta armada composta basicamente por trabalhadores operário. O único estudante era Ivan Seixas, o jovem guerrilheiro do MRT que acaba de lançar o livro “Contos Guerrilheiros”. Leia aqui a entrevista com Ivan Seixas.
Ivan Seixas, o jovem guerrilheiro do MRT, Movimento Revolucionário Tiradentes, conta as histórias da luta armada contra a ditadura militar em formato de contos. Todas as histórias contadas são verdadeiras e os personagens participantes também são reais.
O livro conta as ações da guerrilha, que desafiaram a ditadura militar, a difícil vida em clandestinidade, e também as torturas e assassinatos de militantes ao serem capturados pela repressão militar. Alguns dos segredos desse período são revelados através do cotidiano de luta e ousadia de quem resistiu ao regime sangrento da ditadura militar.

Ivan tinha apenas 15 anos quando começou a atuar na guerrilha urbana e conviveu com figuras históricas como o Capitão Carlos Lamarca, que morou em sua casa por cinco meses, Joaquim Câmara Ferreira, o lendário Comandante Toledo, que foi prisioneiro torturados por duas ditaduras, Inês Etienne Romeu, única sobrevivente das torturas da Casa da Morte de Petrópolis, entre outros.
“O único que estudava lá era eu, que estava fazendo o secundário”, conta Ivan. “O MRT era uma organização que tinha como liderança o Devanir José de Carvalho, o comandante Henrique, que era do ABC, fundador do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC junto com seus irmãos e vários outros companheiros. Tinha também outros comandantes, como Dimas Antônio Casemiro, um operário gráfico da cidade de Votuporanga. E o meu pai Joaquim Alencar de Seixas que era um mecânico que compunha a direção da organização”, relata Seixas.
De onde veio o nome do Movimento Revolucionário Tiradentes
Ivan explica que toda a esquerda, tinha como palavras de ordem “abaixo a ditadura” e “fora imperialismo”. “A Ação Libertadora Nacional tinha esse caráter de expulsão do imperialismo, e a Vanguarda Popular Revolucionária era feita basicamente por companheiros que eram do meio militar, mais alguns estudantes e camponeses, que tinham também essa bandeira que era derrubada da ditadura, expulsão do imperialismo e, portanto, a criação de um governo popular democrático pra fazer um país da classe trabalhadora”.
E por que Tiradentes? Ivan explica: “no nosso caso, a escolha foi pela figura de Tiradentes que tinha como bandeira a libertação do país da coroa portuguesa”,
“A classe dominante brasileira tem o costume de usurpar”, conta Ivan. “A ditadura em 1964 foi feita por um golpe de estado e eles roubaram da esquerda a ideia de revolução. Do mesmo modo, eles se apropriaram da figura de Tiradentes e fizeram uma homenagem canalha dando a ele, a figura de Tiradentes, ser patrono da polícia que o matou”, explica Ivan.
Leia a entrevista completa sobre a construção de Tiradentes como herói nacional
TVT News conversou com a professora Sandra Costa dos Santos e o professor Lucas Scaravelli da Silva sobre o feriado de 21 de abril e como Tiradentes foi transformado em herói nacional.
Sandra Costa dos Santos é Socióloga pela UNESP, Mestre em Ciência Política, Doutora em Educação, atualmente é Professora da Faculdade Sesi de Educação de São Paulo, onde coordena o Núcleo de Estudo e Aperfeiçoamento Antirracista – Conceição Evaristo.
Lucas Scaravelli da Silva é Historiador e Antropólogo (USP), hoje leciona na Faculdade Sesi de Educação de São Paulo, cofundador do Núcleo de Estudo e Aperfeiçoamento Antirracista – Conceição Evaristo e do Grupo de Estudos Amefricanidades: O Pensamento Social Negro no Brasil.
TVT News: Por que há heróis que são mais cultuados na mídia e no senso comum do que outros? Como isso acontece no Brasil?
Lucas Scaravelli da Silva: Há uma perspectiva histórica e cultural, na historicidade brasileira o que prevalece ainda é a condição colonial da construção da memória coletiva e social, o que quer dizer que existe uma classe dominante que seleciona aquilo que deve ser lembrado, como deve ser lembrado e quando lembrado. Podemos vincular isso as datas comemorativas e os significados delas para o coletivo, também podemos perceber como os nomes de rua, de escolas e de instituições são escolhidos e a quem se referem.
Muito dificilmente acharemos pessoas negras ou indígenas como referências elegíveis de lembrança. Ainda assim existe uma contradição, pequena, mas existe, pegamos a Via Anhanguera, andamos no Tatuapé, vamos ao jogo no Morumbi ou Pacaembu entre outras localidades que trazem a etimologia guarani nos seus dizeres, mas que são cercadas pela Fernão Dias, Bandeirantes ou de frente para a estátua do Borba Gato, todas essas outras lembranças e homenagens a personalidades que foram cruéis para a composição cidadã do país.
Sandra Costa dos Santos: Há uma construção ideológica para reforçar símbolos e mitos fictícios que são apartados da grande massa de trabalhadoras e trabalhadores que ao longo de sua história não foram reconhecidos no processo histórico e social brasileiro.
TVT News: Há outros heróis do Brasil que são menos conhecidos??? Quais?
Lucas: Num número desproporcional ouvimos de Lima Barreto, Cacique Raoni, Luiz Gama, Carolina de Jesus, Dandara, Zumbi entre outras personalidades negras e indígenas, ciganas e outres não eurocêntricas. Porém vivemos em um tempo histórico em que há um nível maior de informação e um debate sobre contra-colonização dos saberes e da construção da memória coletiva, e vemos insurgir celebridades na literatura, música, academia e outros lugares que não necessariamente estão nos canônes, como por exemplo Sueli Carneiro, Conceição Evaristo, Rebeca Andrade, vêm ocupando os espaços, e podemos discutir porque simbolicamente somente agora numa modernidade tardia temos essas referências.
Sandra: Ahuna, Damalu, Aprígio, Pai Inácio, Manuel Calafate, Luís Sanim!! Em quais livros didáticos estes homens, pretos, defensores da liberdade para os escravizados são estudados? A revolta dos males mal é citada na escola. Outros movimentos sociais e políticos como a Cabanagem, no Pará, tiveram forte presença indígena e africana em suas frentes e poucos são aqueles que têm acesso a tais conhecimento.
Outros exemplos podem vir revoltas populares como o que aconteceu na Bahia com a revolta dos Malês na qual escravos e libertos de origem muçulmana compuseram o movimento de resistência inédito e defenderam sua liberdade religiosa, civil e política. Os líderes da Revolta dos Malês, dentre outros movimentos, são desconhecidos da população e não aparecem nos livros didáticos.
TVT News: A imagem de Tiradentes comparada à de Jesus e transformada em herói nacional faz parte de uma construção da historiografia brasileira? Qual?
Lucas: Não só de Tiradentes, todas as imagens da corrente “oficial”, de quem controla as ideias, os organismos de comunicação, e produz o modelo de educação no país, traz imagens equivocadas e questionáveis de várias personalidades.
Tiradentes é uma delas, que dentro da busca de construção de referenciais de excelência para um Brasil Republicano, na tentativa de destoar do Brasil Monárquico, referenciaram de alguma maneira à imagem de Jesus Cristo, para encrustar no imaginário popular, os ideais “beneméritos” do abolicionismo e de um pretenso liberalismo, como pilares de um Brasil República que se inventava com sabores de um ideal de nação, dai fácil entender como um homem branco, loiro, de olho azul pode convencer emocionalmente a população através do referencial visual uma imagética de patriotismo cristão. Sendo que nem a referência a que se faz a Jesus temos a certeza ou a prova de que efetivamente tenha a tez caucasiana como é anunciado há séculos.
Sandra: Aproximação da imagem de Tiradentes com a de Jesus tem uma conotação religiosa, mas também romantizada de que Tiradentes era esta figura que, assim como Jesus, estava perto da população. Ele caminhava pelas ruas e se contrapunha ao colonialismo assim como Jesus enfrentava reis e líderes de seu tempo. O herói que não se sabe exatamente quais eram suas características físicas, foi estrategicamente elevado a mito por ter sido esquartejado em defesa da liberdade enquanto Jesus pregado na cruz morre em sacrifício de seu povo
TVT News: A imagem de Tiradentes que se popularizou foi modificada? Por que?
Lucas: Não sabemos ao certo, existem algumas correntes historiográficas que estão buscando referências documentais para ter uma imagem que corresponda à realidade, mas ainda não temos nenhuma comprovação histórica que traga a certeza dessa imagem.
TVT News: Por que Tiradentes se tornou um herói nacional?
Lucas: Como dito anteriormente, a necessidade de desvincular a República dos acontecimentos e ideais da Monarquia no Brasil, intencionou eleger como mártir, as práticas inconfidentes de Joaquim José da Silva Xavier, que além de alferes era alguém com a prática de dentista, como se seu suplicio, seguido de esquartejamento, carregasse um trabalho de sacrifício ao bem comum de libertação do Brasil Monárquico, o fim das práticas escravagistas, a implementação econômica e idearia do liberalismo, e o encaminhamento ao cientificismo moderno. Aí a imagem de Jesus traz exatamente o morrer em vida, sobreviver no ideal, ressurgir como nação. Morre Tiradentes, nasce um Brasil… republicano.
Sandra: Tiradentes é um herói nacional por uma ação impositiva da elite dominante do final do século XIX que realizou a proclamação da República e necessitava, por meio de símbolos nacionais, universalizar a ideia de unidade da nação.
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